quinta-feira, 26 de junho de 2014

Mudei mas voltei.

É isso mesmo... mudei. Depois de preparar, preparar e preparar, lá fui eu para a Terra de Vera Cruz, a espera de algo melhor. Afinal, dizem que o Brasil agora está bom, tem muito emprego, pois falta mão de obra qualificada. Epah! Pensei eu: acabo a licenciatura, autentico o meu diploma e pode ser que dê certo por lá, já que as coisas por cá estão um pouco complicadas. Ainda por cima dizem que em Linhares, no Espírito Santo, perto da terra onde moram meus pais, há muitas oportunidades, a Petrobrás está investindo muito e tem muitas fábricas, muitas grandes empresas abrindo... "você vai gostar", diziam-me. "Você com curso e falando inglês arranja logo um bom emprego, vai ser fácil". 

Grande ilusão.

Até gostei de Linhares. Comparada à minha terra natal, tem mais opções em termos de supermercados, de lugares para passear, tem shopping, fica apenas a 50km do oceano, tem lagoas... "um ótimo lugar para viver, pois não é uma terra pequena nem é cidade grande, é o meio termo ideal". Mas... tem sempre o mas. Esta é Linhares que eu conheci a passeio! Ah, pois é! Linhares é ótima para passear... 

Uma cidade com cerca de 140 mil habitantes que tem mais assassinatos por ano que Lisboa, com seus 2 milhões. Onde se não tens carro, tens que sofrer com os transportes públicos, nunca pontuais e sempre lotados. Onde não se respeita sinal vermelho, onde os motociclistas são donos da estrada, onde há um bairro chamado "Pó do Shell" e outro chamado "Aviso", ambos autênticos cartéis de drogas... onde sem um carro, sair a noite é mentira, onde acabamos por nos sentir prisioneiros dentro de nossas próprias casas, pois estas têm grades nas janelas e os portões elétricos não são para conforto, mas para segurança. 

Depois de ir passear lá duas vezes e ficar na casa de um casal em que ela era minha amiga de infância, resolvi que não conseguiria emprego lá, estando a 180 km de distância. Melhor alugar um apartamento e ir para lá. Apartamento mobilado é mentira. Apartamento num bairro tranquilo e bem frequentado é o olho da cara, mas teve que ser. Comprei mobília, o essencial. Dois meses até conseguir uma entrevista de emprego. Dois meses até conseguir emprego, mas não foi um bom emprego, pelo menos não em termos de salário. Um emprego em que o ordenado pagava o aluguel e o supermercado. Nada mais. Para passear, ir jantar fora ou comprar uma peça de roupa, dependia de dinheiro da poupança, pois o ordenado não dava para mais. Visitar meus pais? Como? Se o ordenado mal dava para as despesas de casa! 

Resumindo: não foi fácil arranjar um bom emprego, nem arranjei um bom emprego. Talvez se tivesse esperado mais, quem sabe! Mas o que vi de necessidade de mão de obra qualificada não era licenciada. É qualificada para fazer trabalhos pesados, onde o salário é uma miséria. Desisti rápido. Após 90 dias decidi que não era o que eu queria, não era o que esperava. 

Conheci uma pessoa que tirou um mestrado em Portugal e estava há 2 anos  tentando obter equivalências. Gastou um dinheirão e ainda não tinha conseguido. Eu acabei por nem tentar ter equivalências da minha licenciatura... Nunca vi tanta burocracia, tanta incompetência nos órgãos públicos... os bancos sempre lotados, com fila à porta. Um dia fui entrar e o segurança veio me perguntar o que ia lá fazer. A sério? Isto tem algum jeito? Eu ter que dizer ao segurança o que vou fazer ao banco? Noutro dia fiquei quase 4 horas a espera de ser atendida, com uma senha na mão. Via pessoas entrando e sendo atendidas sem tirar senha, só porque eram conhecidas ou trabalhavam em lugar tal. Estão a brincar comigo? Comecei a reclamar alto, o banco já tinha fechado as portas, até que me atenderam e adivinhem! Não pude fazer o que fui fazer porque a informação que tinham me dado semanas antes estava incorreta! Sem brincadeira... tive que voltar no dia seguinte. 

Para visitar meus pais tinha que apanhar dois autocarros e mesmo assim tinha que ficar numa cidade a 13 km, onde meu pai ia me buscar de carro. Levava cerca de 5 horas para fazer 200 km! Ok que o Brasil é grande, mas acho que 200 km são 200 km em qualquer lugar do mundo! Mas não é todo lugar do mundo que tem as estradas com enormes crateras... 

Para se ter um telemóvel, temos que cadastrar o cartão sim, lá chamado chip. Quem não tem CPF, que é o número de contribuinte em Portugal, não consegue sequer ter um telemóvel, pois é obrigatório para o tal cadastro. Os tarifários são caros e a rede é horrível. Ligar para outra rede está fora de questão, pois é mais que o olho da cara. Cheguei a ter 1,30 reais e não conseguir mandar uma mensagem para outra rede. Liguei para outra rede e gastei mais de 2,50 reais em menos de um minuto. De um estado para outro nem sempre funciona, pois já é roaming. 

Agora, já viu né! Uma pessoa que vive na Europa, como consegue se acostumar com isso tudo? Não é que aqui seja o melhor lugar do mundo, mas temos ao menos a vida mais facilitada. Para quem nunca saiu de lá, tudo isto é normal. Para minha família é normal, acho que eles até me achavam "chata", "enjoada", por não gostar de como as coisas são. Mas para mim não deu...

O Brasil é lindo! O brasileiro é um povo acolhedor, alegre, mas também muito barulhento. Não existe respeito ao próximo. Anda-se nas ruas com um som em altos berros no carro. Pára-se à porta da casa das pessoas com este som, muitas vezes de madrugada. As festas que duram até as 3 ou 4 da manhã tem som para toda a vizinhança e ninguém é capaz de dizer algo, pois tem medo da reação da pessoa em questão. Chama-se a polícia. Uma hora depois liga-se novamente e o que dizem? Estamos sem viatura, só temos uma e esta foi atender uma chamada, também por perturbação do sossego em outro bairro. Really??? E eu tive que aguentar o estremecer das minhas janelas, que não têm vidro duplo e não são à prova de som. Tive que dormir as 4 da manhã e acordar as 6 para ir trabalhar, sem reclamar... 

Quando se pertence à nata da sociedade, ou quando apenas se ganha muito dinheiro, mora-se num condomínio fechado, anda-se de carro para todo o lado. Não se dá conta do cotidiano verdadeiro do brasileiro. Claro que há exceções. Também existem brasileiros educados, brasileiros que respeitam, brasileiros cultos... mas infelizmente quando se trata de nós, só conseguimos evidenciar o que é mau, o que não gostamos, numa tentativa desnecessária de justificar a nossa decisão. 

Eu decidi voltar e culpo tudo isto. Talvez no fundo a culpa seja minha, ou não seja uma questão de culpa, mas de critérios. Não  gostei e pronto e gostos não se discutem. Pelos menos é o que dizem! 

Mas a mudança foi positiva, apesar de tudo. Serviu para aceitar que afinal eu vivia bem, a minha insatisfação com Portugal tornou-se ínfima comparada com a minha insatisfação com o Brasil. Tive pena, pena de não conseguir aproveitar para ficar mais na companhia da minha família, de não me aproximar mais dos meus sobrinhos e curtir ser a tia deles... tive pena de ver minha mãe chorar quando lhe disse que voltaria e e ainda mais quando me despedi... de ver meu pai fazer-se de forte para me apoiar na minha decisão. Mas teve que ser. 

Agora sinto-me em casa. Regressei ao antigo trabalho mais calma, mais compreensiva, menos revoltada com o que se passa com os outros departamentos, não é nada comigo, não devo me deixar afetar. É esta a minha nova filosofia: ter calma e paciência e não me stressar com o que não me diz respeito.

Mudei, mas voltei. Mudei meu eu, mudei minha forma de pensar, mudei de atitude. Voltei mas mudei...